News Farma (NF) | Como recebeu o reconhecimento do NEDAI e que importância atribui a esta distinção, tanto a nível pessoal como profissional?
Ana M. Abrantes (AMA) | Importa salientar que este projeto é verdadeiramente multidisciplinar, desenvolvido em parceria entre clínicos e engenheiros. A parte clínica é assegurada por médicos internistas especialistas em doenças imunomediadas, que trazem o conhecimento sobre as patologias, as necessidades dos doentes e as lacunas da prática clínica atual. Por outro lado, a equipa de engenharia, composta por especialistas em física e biomédica, assegura a transformação de um protótipo em soluções tecnológicas concretas – neste caso, o desenvolvimento de uma ortótese capaz de recolher dados objetivos e de forma não invasiva para deteção de artrite inflamatória.
Esta distinção do NEDAI é um reconhecimento muito importante para mim e para toda a equipa envolvida, na medida em que reforça a qualidade do projeto. A nível pessoal trata-se de uma motivação acrescida para investir na investigação clínica e translacional, indo de encontro às dificuldades e questões que encontro na minha prática clínica diária. A nível profissional, sublinha a confiança depositada nesta equipa, reconhecendo o nosso compromisso em encontrar soluções inovadoras para os problemas reais dos doentes e amplia a visibilidade do projeto, abrindo portas para colaborações futuras. Recebemos feedback muito positivo na apresentação do projeto e sugestões adicionais que certamente o enriqueceram.
NF | Que impacto a monitorização contínua pode ter na personalização do tratamento e na melhoria da qualidade de vida dos doentes com artrite inflamatória?
AMA | A monitorização contínua permite ter, pela primeira vez, uma visão dinâmica e real do comportamento inflamatório articular ao longo do dia e em diferentes contextos. Isto dá-nos uma ferramenta poderosa para personalizar o tratamento e não apenas com base no que é observado em consulta. Além disso, empodera os doentes, dando-lhes um papel ativo no controlo da doença, aumentando a adesão ao tratamento e melhorando a sua qualidade de vida. Atualmente, para avaliarmos a atividade inflamatória nas articulações, dependemos de métodos como a ecografia, que são muito úteis mas têm limitações: são exames pontuais, feitos num único momento, dependem da disponibilidade do equipamento e do operador, e muitas vezes obrigam o doente a esperar por marcação.
Com este dispositivo, conseguimos ultrapassar essas barreiras – passamos a ter acesso a informação contínua, recolhida diretamente no dia a dia do doente, sem necessidade de esperar por uma consulta ou exame. Mesmo em contexto de consulta, dá-nos respostas imediatas. Em resumo, não substituímos a ecografia, mas damos um passo em frente, oferecendo algo que até agora não estava acessível na prática clínica: monitorização em tempo real.
NF | Existem casos em que a ortomonitorização revelou aspetos da doença que passariam despercebidos com as avaliações tradicionais? Pode partilhar algum exemplo?
O dispositivo ainda se encontra em desenvolvimento pelo que não consigo concretizar com exemplos reais. Contudo, acredito que o seu uso acrescentará valor indiscutível à semiologia convencional, sobretudo em casos de artrite subclínica ou quando persistência de dúvida diagnóstica. Sabemos também que estes doentes têm sintomas flutuantes ao longo do dia e agravamento clínico em alguns contextos, como stress, que podem não ser captados em consulta ou através de avaliações ecográficas pontuais.
Acredito que, com a conclusão do projeto, poderei em breve ter exemplos concretos que ilustrem este impacto.
NF | Quais as perspetivas futuras da ortomonitorização? Considera que esta abordagem poderá vir a integrar as recomendações clínicas futuras na gestão da artrite inflamatória?
AMA | As perspetivas futuras são promissoras. Após validação em estudos de maior escala, acredito que a ortomonitorização se estabelecerá como um complemento à abordagem tradicional com recurso a ecografia articular, quer para diagnóstico precoce destes doentes, quer no seu seguimento. A ecografia articular fornece dados muito relevantes mas é dependente do operador, tem uma curva de aprendizagem relativamente longa, não está disponível em todos os centros e, nos que têm esse método, é difícil chegar em tempo útil a todos os doentes, dado o elevado número de pedidos. Esta solução permitirá reduzir custos em saúde associados a pedido de exames complementares de diagnóstico, mitigar o burden de doença e ajuste terapêutico de forma mais precoce e personalizada.
A possibilidade de monitorização remota, em casos em que tal seja clinicamente justificado, contribuirá para um envolvimento mais ativo dos doentes no controlo da sua doença, aumentando a adesão ao tratamento instituído, estabelecendo uma relação médico doente mais coesa e permitindo antecipar consultas de seguimento e instituição terapêutica. Naturalmente, sendo vastos os benefícios penso que a utilização deste dispositivo poderá vir a integrar recomendações clínicas futuras.