Ortomonitorização na artrite inflamatória: “Queremos oferecer uma visão contínua e real do estado da doença”

Ana Mafalda Abrantes
19/09/25
Ortomonitorização na artrite inflamatória: “Queremos oferecer uma visão contínua e real do estado da doença”

O NEDAI distinguiu Ana Mafalda Abrantes pelo seu projeto denominado de “Ortomonitorização – uma alternativa na deteção e monitorização da artrite inflamatória”, que propõe um dispositivo inovador para recolha de dados clínicos não invasivos que visam otimizar o diagnóstico e a monitorização da artrite inflamatória. Em entrevista à News Farma, a internista da ULS de Santa Maria destaca o impacto da distinção e o contributo desta abordagem para a prática clínica. Leia a entrevista.

News Farma (NF) | Como recebeu o reconhecimento do NEDAI e que importância atribui a esta distinção, tanto a nível pessoal como profissional?

Ana M. Abrantes (AMA) | Importa salientar que este projeto é verdadeiramente multidisciplinar,  desenvolvido em parceria entre clínicos e engenheiros. A parte clínica é  assegurada por médicos internistas especialistas em doenças  imunomediadas, que trazem o conhecimento sobre as patologias, as  necessidades dos doentes e as lacunas da prática clínica atual. Por outro  lado, a equipa de engenharia, composta por especialistas em física e  biomédica, assegura a transformação de um protótipo em soluções  tecnológicas concretas – neste caso, o desenvolvimento de uma ortótese  capaz de recolher dados objetivos e de forma não invasiva para deteção de  artrite inflamatória. 

Esta distinção do NEDAI é um reconhecimento muito importante para mim e  para toda a equipa envolvida, na medida em que reforça a qualidade do  projeto. A nível pessoal trata-se de uma motivação acrescida para investir na  investigação clínica e translacional, indo de encontro às dificuldades e  questões que encontro na minha prática clínica diária. A nível profissional,  sublinha a confiança depositada nesta equipa, reconhecendo o nosso  compromisso em encontrar soluções inovadoras para os problemas reais dos  doentes e amplia a visibilidade do projeto, abrindo portas para colaborações  futuras. Recebemos feedback muito positivo na apresentação do projeto e  sugestões adicionais que certamente o enriqueceram. 

NF | Que impacto a monitorização contínua pode ter na personalização do  tratamento e na melhoria da qualidade de vida dos doentes com artrite  inflamatória?

AMA |  A monitorização contínua permite ter, pela primeira vez, uma visão dinâmica  e real do comportamento inflamatório articular ao longo do dia e em diferentes  contextos. Isto dá-nos uma ferramenta poderosa para personalizar o  tratamento e não apenas com base no que é observado em consulta. Além  disso, empodera os doentes, dando-lhes um papel ativo no controlo da  doença, aumentando a adesão ao tratamento e melhorando a sua qualidade de vida. Atualmente, para avaliarmos a atividade inflamatória nas  articulações, dependemos de métodos como a ecografia, que são muito úteis  mas têm limitações: são exames pontuais, feitos num único momento,  dependem da disponibilidade do equipamento e do operador, e muitas vezes  obrigam o doente a esperar por marcação.

Com este dispositivo, conseguimos ultrapassar essas barreiras – passamos  a ter acesso a informação contínua, recolhida diretamente no dia a dia do  doente, sem necessidade de esperar por uma consulta ou exame. Mesmo  em contexto de consulta, dá-nos respostas imediatas. Em resumo, não  substituímos a ecografia, mas damos um passo em frente, oferecendo algo  que até agora não estava acessível na prática clínica: monitorização em  tempo real.

NF | Existem casos em que a ortomonitorização revelou aspetos da doença que  passariam despercebidos com as avaliações tradicionais? Pode partilhar  algum exemplo?

O dispositivo ainda se encontra em desenvolvimento pelo que não consigo  concretizar com exemplos reais. Contudo, acredito que o seu uso acrescentará valor indiscutível à semiologia convencional, sobretudo em  casos de artrite subclínica ou quando persistência de dúvida diagnóstica.  Sabemos também que estes doentes têm sintomas flutuantes ao longo do  dia e agravamento clínico em alguns contextos, como stress, que podem não  ser captados em consulta ou através de avaliações ecográficas pontuais. 

Acredito que, com a conclusão do projeto, poderei em breve ter exemplos  concretos que ilustrem este impacto. 

NF | Quais as perspetivas futuras da ortomonitorização? Considera que esta  abordagem poderá vir a integrar as recomendações clínicas futuras na  gestão da artrite inflamatória?

AMA | As perspetivas futuras são promissoras. Após validação em estudos de maior  escala, acredito que a ortomonitorização se estabelecerá como um complemento  à abordagem tradicional com recurso a ecografia articular, quer para diagnóstico precoce destes doentes, quer no seu seguimento. A ecografia articular fornece  dados muito relevantes mas é dependente do operador, tem uma curva de  aprendizagem relativamente longa, não está disponível em todos os centros e,  nos que têm esse método, é difícil chegar em tempo útil a todos os doentes, dado  o elevado número de pedidos. Esta solução permitirá reduzir custos em saúde  associados a pedido de exames complementares de diagnóstico, mitigar o  burden de doença e ajuste terapêutico de forma mais precoce e personalizada.

A possibilidade de monitorização remota, em casos em que tal seja clinicamente  justificado, contribuirá para um envolvimento mais ativo dos doentes no controlo  da sua doença, aumentando a adesão ao tratamento instituído, estabelecendo  uma relação médico doente mais coesa e permitindo antecipar consultas de  seguimento e instituição terapêutica. Naturalmente, sendo vastos os benefícios penso que a utilização deste dispositivo poderá vir a integrar recomendações  clínicas futuras.

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